Rebobinei minha alma toda ontem, recém-chegada da Amazônia. Depois de rever todas as fotos, acho que o cordão umbilical fantasma se apressou em voltar. Provavelmente estava contornando as Sumaúmas, 300 anos enraizadas no meio dos Igapós. Ou provando uma costela de Tambaqui, Pirarucu ou Tucunaré́. Tomando um suco de cupuaçu, ou saboreando um sapoti. Achando os jacarés de noite, ou boiando na prainha particular de um dos maiores afluentes do Rio Amazonas. É muita água para se atrasar na volta.
Uma operadora de turismo e uma livraria. Juntas, me deram duas boas razões para a empreitada: literatura e natureza. Tinha a Amazônia entre as viagens que queria fazer, mas se não fosse pelo programa, teria ido depois de outros embarques.
Cinco dias navegando um dos responsáveis pela imensidão fluvial brasileira: o Rio Negro. E de bônus, a bordo, escritores que eu admirava. Com palestras e mesas redondas para falarem de suas vidas e obras. Sem wi-fi, sem sinal. Lembrando que conversa ainda é a melhor conexão.
Confesso que decidi a viagem ao ver o Amyr Klink entre os convidados.
Um cara que ri quando é chamado de lenda viva, porque acredita que, com preparação, qualquer um poderia fazer o que ele fez. Tipo remar da África até o Brasil em 1984. Sozinho. Em 100 dias.
Em tempos de tanta gente famosa e oca, sua vida surreal de interessante, pra mim, valeu a viagem. Revelou coincidências e improbabilidades que não cabem nos livros. Reconheceu adornos de navegação nas canoas, e de como a indústria naval usa cordas com fibra de árvore. Falou da natureza que conhece, do mar que muda e da importância de querer chegar.
Agora, admiro ele mais ainda, porque é um cara normal. Lição de coragem, persistência, de como a vida planejada pode ir por caminhos incríveis. E como às vezes, é preciso acreditar no vento.
Eliane Brum e Fabrício Carpinejar me impressionaram pela sensibilidade. Porque meu Deus do céu, quanto sofrimento, mas que povo que escreve bem. Que dom de escolher palavras. Arranjar as relações. Em tons diferentes, colocações certeiras. Tive que digerir esse olhar de quem vive o outro, e sutilmente faz um livro.
Voltei para a vida normal recarregada e feliz por ter conhecido pessoas tão diferentes e tão talentosas no que fazem – e isso vai dos escritores, aos organizadores, se estende aos guias e a todos os tripulantes.
O Brasil tem um mundo dentro de si. E, mesmo assim, a gente insiste em viajar para fora. Nada contra as palmeiras de Miami ou as ramblas de Barcelona, mas nosso pais é sensacional.
A Amazônia é só mais um dos lugares que tem que ir para entender o quanto é demais. A alma volta outra.
Gabriela Andrade
Texto publicado no site Marca Texto no dia 26 de maio.
Fotos de Ilana Lichtenstein.